Zorba: vida, morte e liberdade

Me recordei de uma leitura antiga que gravou na minha mente o que seria a imagem perfeita da liberdade. O fragmento é de “Zorba, o Grego” (de Nikos Kazantzakis) que rendeu, aliás, um belo filme. Na obra, Zorba é um corpulento e vívido operário, inteiramente apaixonado pela vida que entregou-se irrestritamente a todas as experiências humanas que pôde errando sem qualquer moderação. Na trama, Zorba funciona como um contraponto de seu patrão Basil, um intelectual de gabinete que olha a vida a partir do aquário de seu escritório não conhecendo da vida nada que não esteja nos livros: como Drummond, Basil não tentou qualquer viagem, perdeu posses e a mocidade. Entretanto Zorba  dava lições de como adentrar nas profundidades da fruição da vida. Juntos, Basil e Zorba compõem para mim o que seria a atualização de Jekyll e Hyde (as poderosas forças que nos habitam e em disputa alternam o nosso controle). Enfim, segue o fragmento para deleite e libertação de quem encontra-se preso nos grilhões de uma amarra qualquer.

 

Na trama, a dança e o riso ocupam papel privilegiado. O filme conta como Zorba foi expulso de sua aldeia após dançar e rir quando da morte de seu filho. Seus escandalizados conterrâneos eram incapazes de entender que a dança e o riso eram a única forma de fazer cessar a dor da perda constituindo-se no mais belo ritual em homenagem à vida. Na cena final do filme, visitado pela tragédia, Basil  pede a Zorba que o ensine a dançar e, no percurso, aprende inclusive a rir. O romance entretanto segue até a morte de nosso herói, que parte sereno, alegre, tranquilo, isento de melancolia, drama, culpa, arrependimento, desespero ou qualquer outra forma de afetação: já velho e bem doente, Zorba percebe que morte, sua última visita, já havia entrado em seu quarto quando protagoniza seu último gesto de propriedade. Levantando-se da cama vai até a janela e por longos minutos contempla com sorriso e veneração silenciosa o mundo maravilhoso que tanto amou. De repente põe-se a relinchar como um cavalo, agarra-se à janela cravando nelas suas unhas e diz, um segundo antes de cair morto: “- Um homem como eu deveria viver mil anos!”.

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